quinta-feira, março 12, 2020

O “Chernobyl Galego”: a sublimação irresponsável das entidades transposta ao turismo

Na atualidade, Monte Neme consiste em termos identitários num dos destinos e locais turísticos onde a inércia, o mistério e as vicissitudes por meio de manipulação humana se conjugam de forma singela, atingindo uma atenção turística que fica a além da consciencialização.

O presente local, renomeado pelos vários meios mediáticos como “Chernobyl Galego”, está localizado em Espanha, província de A Coruña, entre os municípios de Carballo e Malpica de Bergantiños, com 387 metros de altitude. Apresenta dentro do seu enquadramento e meio natural uma componente estética “traiçoeira”, com as águas turquesas e cristalinas. Este grande atrativo cromático encobre o que outrora compreendeu uma das balsas mineiras de volfrâmio mais importantes da Galiza.
A sua ativação mineira remete para inícios do século XX, teve o seu auge exploratório na Segunda Guerra Mundial e até então, nas últimas décadas, concretamente até 2012, foi explorada de forma desenfreada por várias empresas privadas, como foi a Leitosa SAU. O desmantelamento das estruturas mineiras supôs a criação das presentes lagoas artificiais altamente contaminadas do processo de extração e ambições humanas, contudo alvo de atenção de banhistas e turistas.
O efeito lúdico da água e a sua fruição comprometem em larga escala a saúde dos turistas. De acordo com algumas análises efetivadas, em determinadas zonas da balsa há grande presença de ácido e níveis de alumínio em percentagens que podem ser potencialmente perigosas. Além da contaminação, o terreno é consideravelmente instável. Na verdade, estas lagoas artificiais têm pouco de naturais ou exóticas, são antes de mais paisagens terrenas deste mundo, atribuíveis à mão do homem.
         Certamente, se trata de uma balsa abandonada, de propriedade privada, sem qualquer alvo de requalificação, porém torna-se importante respeitar as autoridades locais e experienciar um turismo responsável, independentemente das irresponsabilidades que panteiam o local. Um exemplo claro é o facto de no passado ano vários visitantes terem sofrido reações cutâneas e oculares adversas depois de se banharem na lagoa. Dada à polémica, a Junta de Galiza procedeu à vedação do espaço para restringir o seu acesso, contudo os visitantes, além de danificarem a vedação, continuam a aceder ao espaço sem qualquer tipo de consciencialização ou responsabilidade, em favor da atração estética, à procura da fotografia perfeita, independentemente do perigo inconsciente que possa estar adjacente.
Nesta linha de seguimento, parece cada vez mais estrita a relação entre o turismo e o deleite visual fomentado por uma tendência crescente do valor estético, em que os destinos se “mascaram”, melhorando o seu retrato. No caso particular, a formação das lagoas artificiais geradas pelos períodos de chuva foram, um “íman” de atração turística no ano de 2017, só tendo sido tomadas as medidas necessárias de segurança após a controvérsia que surgiu no verão passado dada às reações cutâneas despertadas nos turistas. Antes de mais, demonstra uma simples declaração de intenções das administrações públicas, caraterizadas pela passividade e inação patrimonial diante das consequências da extração mineira. 
Deve-se, pois, refletir sobre este exemplo na ação dos agentes e identidades locais sobre o património e território, e o devido impacto (i)responsável nos ecossistemas e nas atividades económicas, como é o caso do turismo.
Sem dúvida, o património natural e cultural galego têm um repositório imenso onde a beleza e cultura emanam nos seus territórios. Infelizmente, em termos históricos, pela mão humana e de terceiros interesses, a antiga mina desmantelou algumas estruturas humanas precedentes, que não são irrecuperáveis. Resta, contudo, cultivar as tradições orais que se fazem valer, o património imaterial, mineiro e geológico. A maioria dos indivíduos acorre à antiga exploração mineira sem conhecerem a sua história precedente. Esta história opulenta está presente desde o seu passado de cultos pagãos e obscurantistas à sua corrida intensa na contemporaneidade ao volfrâmio, palcos essenciais da vida das gentes e do património cultural. 
Neste sentido, é estritamente importante num esforço conjunto de salvaguarda e desenvolvimento, a aplicação de medidas que assegurem um turismo seguro e responsável, bem como investir em políticas de gestão territoriais que pressuponham o respeito pelo património geológico, bem como planos de requalificação e restauração que remem contra a danificação do ecossistema e a corrente turística inoportuna e indesejada.
Elsa Rodrigues
Bibliografia[1]
Llopis, L. & Otero, A. (1985). Inventario Nacional de Recursos de Volframio. Espanha: Instituto Geologico y Minero de España.
Lage, M. O. (2001). Nas memórias do Volfrâmio – um socioleto luso-galaico. Veredas Revista de Associação Internacional de Lusitanistas, 4, p. 275-294.
Mendéz, M. (2019). Monte Neme, la estrella de Instagram. Retrieved from: https://www.lavozdegalicia.es/noticia/alsol/2018/08/25/monte-neme-estrella-instagram/0003_201808G25P30994.htm.
Contra información. (2020).  Las medidas de seguridad establecidas por el Gobierno de Alberto Núñez Feijóo en la zona minera del Monte Neme fracasan a las pocas semanas de su instalación. Retrieved from: https://contrainformacion.es/las-medidas-de-seguridad-establecidas-por-el-gobierno-de-alberto-nunez-feijoo-en-la-zona-minera-del-monte-neme-fracasan-a-las-pocas-semanas-de-su-instalacion/.



[1] Sob a norma APA 6th.

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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