Na atualidade, o
termo "Palácio" remete-nos para um dos mais fascinantes locais da
cidade do Porto, situado no antigo campo da Torre da Marca, que albergou em
tempos o ilustre Palácio de Cristal e os seus jardins, um agradável espaço
verde provido de uma localização promontorial sublime junto ao rio Douro, a
partir do qual se contempla uma inigualável perspetiva panorâmica da cidade,
difícil de minuciar mas a qual os olhos não se afadigam de apreciar.
Factualmente, a construção palaciana pende com o
discernimento urbano nos finais do século XIX, uma época marcada pelo progresso
e desenvolvimento económico, industrial e tecnológico. Sinónimo de progresso, o
edifício ostentava na parte cimeira da fachada principal a palavra progredior, representativa da época,
relacionada com a vivência progressista urbana. Portanto, o Palácio foi
construído para um propósito urbano, que se prendia com a configuração de um
espaço destinado a eventos e exposições agrícolas, artísticas, culturais e
industriais, constituindo-se como um testemunho vivo do interesse da cidade.
Produto de uma nova
tendência arquitetónica da construção em ferro e vidro que acometeu a Europa
oitocentista finissecular, o Palácio reconheceu-se como o estandarte da
conceção contemporânea, assumindo-se como um dos ex-libris da cidade, pelo
aproveitamento de técnicas construtivas e materiais inovadores para a época,
desde o proveito da introdução portentosa do granito na construção, pela
concessão de caraterísticas próprias, como o recurso ao ferro e vidro e a
ostentação de uma fachada granítica ladeada por torreões monumentais.
Primordialmente concebido para acolher a Grande Exposição Internacional
do Porto, o Palácio, representação sui
generis da arquitetura do ferro em Portugal, foi palco de algumas das mais
significativas mostras e eventos nacionais durante o seu período de atividade,
na sequência do cumprimento do seu intento, tornando-se um importante espaço
cultural e de referência pelo acolhimento de prodigiosos concertos de grandes
portentos da música clássica, e como albergue de inúmeras exposições, feiras e
iniciativas culturais, desportivas e recreativas.
A partir de certa altura, o Palácio evidenciou grandes
problemas económicos que colocariam em causa o seu funcionamento - falta de
dinheiro e manutenção do complexo arquitetónico -, onde começaram a ser
visíveis os sinais de abandono, degradação e desleixo. Perante o estado de
ruína do edifício, resultado do débil investimento na recuperação, conjugado
com a permanente articulação de um reportório de reveses financeiras
determinantes para a preservação inviável do edifício, a Câmara do Porto
adquiriu, em 1933, o Palácio de Cristal e os jardins.
O Palácio foi condenado à demolição em 1951, com a
premência e o pretexto da construção do Pavilhão dos Desportos, um espaço apto
para a realização dos Campeonatos da Europa e do Mundo de Hóquei em Patins, no
ano seguinte. Contudo,
até que ponto a destruição palaciana foi tida como uma atitude precipitada?
Efetivamente, para a realização de um campeonato do mundo de hóquei em patins
era necessário um pavilhão, embora a sua construção poderia ter sido remetida
para outro espaço urbano. Deste modo, o palácio foi sujeito à demolição num fim
inglório, em sacrifício de uma obra tão emblemática da cidade. Por sua vez, o desmantelamento foi, de facto,
célere, tendo-se erguido no seu lugar o Pavilhão dos Desportos - uma edificação
deselegante e prática, munida de betão - que manteve a denominação original,
acabando por ser renomado, em 1988, de Pavilhão Rosa Mota, numa homenagem
patrimonial de reconhecimento a uma das mais ilustres atletas portuguesas.
Contudo, a destruição foi sujeita a contestação popular contra este delito
patrimonial, corroborado pela sobrevivência da designação Palácio de Cristal
até aos nossos dias, prenúncio de um saudosismo e fascínio de um tempo passado,
a par da resistência incólume dos jardins, pela revivificação de uma emanante
saudade de um edifício que se perdeu nas brumas do tempo e da história.
Com efeito, os jardins do Palácio permanecem estonteantes,
constituindo-se como um património precioso, favorecido pelo envolvente
património botânico e a dinâmica cultural e recreativa, num afinco promotor
para o incremento da prudência ambiental pública usufrutuária. Por isso, é
importante a preservação para disposição de todos, por todo um cuidado
impregnado na recuperação e reabilitação, em respeito da autenticidade,
história e conservação, como a valorização do património natural e criação de
espaços vocacionados para atividades culturais, como cenário de profusas
manifestações artísticas e de lazer. Neste sentido, permanece um enlace
indissociável entre o património e a memória, pelo vínculo de uma vivência
presente procedente da compreensão do passado. Deste modo, os jardins
afirmam-se como o testemunho vivo da passagem do tempo, cooperantes da
compleição da única evidência do que o espaço foi noutros tempos, pela
conservação da memória e toponímia, caraterísticas inerentes ao seu espaço
primordial que vigoram ainda nos dias de hoje.
Protótipo de uma beleza
inalcançável, o Palácio não resistiu em termos estruturais, embora permaneça
vivo na memória dos portuenses enquanto parte integrante da história da cidade,
pela preservação de um lugar de grande atração turística. Assim, a memória
constitui-se como um elemento fulcral na salvaguarda do património, quando a
própria preservação efetiva já é inconcebível, considerando que a demolição do
palácio foi encarada como um crime de depauperação patrimonial, do qual o Porto
nunca se olvidará.
Ana
Catarina Gomes
Bibliografia[1]
Costa,
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Peixoto, P.
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