Os temas relacionados com o Património Sombrio, assim
como o turismo que dele deriva e as viabilidades socioeconômicas existentes por
trás de ambos, desperta o olhar acadêmico, embora tardiamente, a partir de
meados dos anos de 1990, através de pesquisas e publicações especializadas,
atingindo um maior volume de trabalhos já nos anos 2000.
Dark Heritage ou, em português, “Património Sombrio”, representa a associação a
locais históricos que retratam eventos relacionados com o sofrimento humano, e
tornaram-se um aspecto significativo da visitação turística nos últimos tempos.
O tombamento pela Unesco, em 1979, do Campo de Concentração de Auschwitz é
considerado um marco temporal nessa modalidade patrimonial.
Neste tombamento, a Unesco reitera que o património
não é um relicário de obras belas e edificadas, mas uma representação da
memória da humanidade em que se celebra a vítima, não o lugar e o evento. São lugares
que guardam a relação com o passado, porém não excita uma transposição de
beleza, alegria e nem de nostalgia, mas sim reflexões sobre o incomodo.
Como podemos observar nos dados a seguir, o turismo
tomou uma dimensão muito maior com o passar dos anos, e em Portugal não foi
diferente.
Inserido nessa conjuntura, o Turismo Sombrio vem cada
dia mais ganhando visibilidade, talvez por motivos intrínsecos à percepção do indivíduo
em busca do novo e a necessidade de o mercado criar nova frente de exploração, além
do denominado turismo “tradicional”.
A definição de Turismo Sombrio perpassa a experiência
de viajar para um sítio, total ou parcialmente, motivado pelo desejo de
encontros reais ou de simbologias com a morte, particularmente, mas não
exclusivamente, a morte violenta, e sugere que o termo sombrio alude a um senso
de práticas perturbadoras aparentes e produtos e experiências mórbidos. Com
isso em mente, sugere que possa ser referido como viajar para locais associados
a atrocidades, desastres e sofrimento humano, total ou parcialmente, para
experiências ou benefícios sociais e até psicológicos. Não existe experiência de herança cultural
sombria para a cura, senso coletivo de identidade, senso de empatia, busca de
raízes, reunião espiritual e reconexão com ancestrais ou raízes ancestrais,
peregrinação e homenagem, sentimento de pertença, autodescoberta lembrança,
educação ou entretenimento, demonstração de identidade nacional, luto.
Sobre o perfil dos adeptos dessa modalidade turística
podemos supor que busquem situações estimulantes diferentes de sua rotina
diária quando possuem algum tempo disponível, escapando da rotina, uma espécie
em seu subconsciente de fuga inusitada. Lidar com a fragilidade do outro é
reconhecer a própria, e tudo que se refere a esse segmento deve ser tratado com
sutileza, ou seja, nesses espaços estão muito mais do que sítios históricos e
sim lugares que fazem com que o indivíduo aprenda a lidar com sentimentos
complexos.
Com relação aos cuidados, esses lugares devem ser
administrados com responsabilidade, porque dispõem de um grau de sensibilidade
dessas pessoas, para que a experiencia ali vivida seja a melhor possível e não
somente carregada de uma atmosfera de sombras, pois lida diretamente com
emoções e sentimentos, muitas vezes esquecidos ou até evitados, tais como: insegurança, gratidão, humildade e até mesmo
superioridade.
O Turismo Sombrio, ou “assombrado”, ainda é pouco
estudado em Portugal, mas com um grande potencial de exploração e boa
viabilidade econômica. Podemos citar, entre inúmeros exemplos, a presença de
sanatórios, presídios, locais de inquisição, cemitérios como espaços fiáveis
economicamente, mas nunca deixando perder a essência de preservação, tanto no
quesito património, em seu sentido arquitetônico, como também sua memória, ou
seja, o lado didático e educacional sempre em primeiro plano. Mas, desde já, infelizmente,
salientamos que, mesmo com todos os cuidados necessários, nota-se que nem
sempre o comportamento do indivíduo é o esperado, daí a importância de ações
paralelamente constituídas de conscientização e repúdio à banalização dos
eventos. Afirmo que plenamente este deve ser o interesse primordial, o que faz
com que através destes conteúdos aprendidos não repetiremos mais os erros
tristes do passado.
Em Portugal, mesmo que ainda incipiente, já é possível
encontrar alguns sítios explorados sob o viés do Turismo Sombrio, ou seja,
podemos dizer que hoje existe um pouco mais de visibilidade neste tipo de
entretenimento, ainda que timidamente explorado.
Sendo assim caracterizados em tópicos e rankings pré-estipulados, esses sítios
estão associados a lugares onde ocorreram tragédias ou mortes, como, por exemplo,
a Pousada da Serra da Estrela, que está no lugar
de um antigo sanatório. Aberto em 1944, recebia doentes com tuberculose, onde
naturalmente a grande maioria não sobrevivia. Este edifício, que fechou suas
portas, deteriorou-se com os anos e, antes de suceder para a sua transformação
numa pousada, aparentava um ar assustador, entre as ruínas e o "fechado a
sete chaves”, como se percebêssemos que ali não “devíamos” entrar por nada.
O mito do sanatório assombrado com as
almas que não descansaram, de alguma forma, transpôs-se para esta belíssima pousada,
atraindo assim muitos turistas curiosos. Neste exemplo fica claro a intervenção
que a mídia trás, impulsionando assim o consumidor, através de suas manobras
comerciais e de marketing.
Outro exemplo de sítio
português é o hotel Bela Vista, localizado em Portimão, no Algarve. Hoje é um Boutique Hotel, recuperado em 2011, mas
a sua fama de assombrado continua, mesmo depois das obras e da reabertura.
Acredita-se que ainda podem ser ouvidos os gemidos e visto o vulto da antiga
proprietária, que faleceu em um dos seus quartos, contribuindo para a área
temerosa do local.
Concordamos que os elementos que compõem a modalidade
patrimonial e turística em questão realmente despertam a curiosidade e o
interesse daqueles que se envolvem com todo o processo, mas enfatizamos que
talvez, aqui, nossa principal tarefa é lembrar que, apesar de todos esses
aspectos, mitos e histórias, é primordial que, antes de qualquer tipo de
exploração desses locais e também durante qualquer espécie de visitação, o
entretenimento não se simplifique em mera banalidade de divertimento, pois
existem histórias de pessoas, famílias e comunidades que se transformaram
através desses locais de sofrimento. Acreditamos que a melhor forma para que
essas histórias sejam dignas de socialização e reflexão são sempre através de
caminhos instrucionais e educacionais claros, para que os propósitos
verdadeiros de interação sejam aproveitados de maneira saudável.
Karen C. Galletto
Referências
Foley M., Lennon J. (1996a). Editorial: Heart of Darkness. International Journey of
Heritage Studies.
Foley
M., Lennon J. (1996b).
JFK and dark tourism: a fascination with assassination. International
Journey of Heritage Studies.
Stone,
P. R. & Sharpley, R. (2008). Consuming dark tourism: A thanatological
perspective. Annals of Tourism Research, 35.
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade
curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”,
lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)
Sem comentários:
Enviar um comentário