segunda-feira, março 16, 2020

Refletindo sobre a preservação da Música Tradicional Portuguesa

Há poucos projetos no país que têm em vista a preservação da música tradicional portuguesa, seja na preservação de documentos, de vídeos ou fotos. No concelho de Vila Nova de Famalicão, um projeto desenvolvido pela Câmara Municipal, em colaboração com um grupo de música tradicional portuguesa, constitui, no entanto, um exemplo de esforço no que concerne à preservação da música tradicional portuguesa, trabalhando-a com as gerações mais novas.
Grande parte da sabedoria popular era, até finais século XIX, transmitida oralmente em várias regiões do País, passando de geração em geração, como os contos, as mesinhas e a própria música.  Alguns etnólogos e musicólogos no século XX intervieram no campo musical no sentido de preservar em livro muitas recolhas que foram sendo efetuadas quer por Pires de Lima, Gonçalo Sampaio, Giacometti e outros. O projeto “Canções de Bem-Querer” sempre teve como objetivo preservar a música tradicional portuguesa e trabalhá-la com as escolas primárias do concelho. Nesse sentido, Turmas de 3º e 4º ano recebem uma sessão musical em colaboração com um grupo de música tradicional, o Grupo Musical Pedra D’Água, do qual faço parte e, numa sessão de 45 minutos, as crianças poderam aprender até três músicas tradicionais.
Fazendo parte de um dos grupos intervenientes deste projeto, posso confirmar que é nestas idades que as crianças conseguem reter com mais facilidade as canções. O facto de terem uma visita inesperada na sala de aula por um grupo musical com instrumentos tradicionais portugueses, como uma viola clássica, uma braguesa, um bandolim ou um adufe, torna toda a situação numa experiência inesquecível para as crianças.
É claro que há, hoje em dia, outras formas de preservar a música tradicional. Uma delas é a plataforma online “A Música A Gostar Dela Própria” e, como é referido no sítio: “um possível modelo social, baseado na escuta e na partilha, acreditando que a memória colectiva pode ter um grande papel na coesão social”. Outra forma é tentar alcançar o reconhecimento internacional, como o Fado e o Cante Alentejano, que foram considerados como Património Imaterial da Humanidade, o que traz consigo relevância turística e cultural.
O Património Imaterial é e continua a ser, do meu ponto de vista, um assunto delicado. Com o passar do tempo, todo o seu simbolismo e significado alteram-se. O costume de acompanhar o trabalho agrícola com cantares polifónicos, sem qualquer acompanhamento instrumental, por exemplo, nas desfolhadas do milho, nas malhadas do centeio e nas cegadas e vindimas, pode não se verificar com a mesma importância hoje em dia, comparativamente com a década de vinte ou trinta do século passado, apesar de ser ainda costume em algumas, poucas, áreas rurais.
Os hábitos sociais da era em que vivemos são diferentes, no entanto toda a sociedade tem um passado, um pilar onde assenta a sua diferença cultural e a torna uma comunidade única e, ao mesmo tempo, parte de um todo global a que se chama País/Nação. Assim sendo, e porque a questão da música tradicional portuguesa me é cara questiono-me: qual é o papel do cidadão na preservação da música tradicional portuguesa? Qual a importância da música tradicional portuguesa na representação da nossa identidade cultural? Estaremos a fazer o suficiente quer como grupo quer individualmente pela preservação de cantares e músicas, usos e costumes?

Luís Miguel Cardoso Pinho Ferreira

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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