terça-feira, março 17, 2020

O lado obscuro do turismo: o “turismo predatório”

É percetível que o desenvolvimento do turismo é bom para a economia de uma localidade, e que, em alguns casos, têm o turismo como sua fonte principal de renda, mas até que ponto ele é positivo?
Existe uma grande diferença na forma como será ofertado o turismo aos visitantes, que determinará se essa prática será positiva, aceite, ou não para a localidade onde se encontra inserido, que é um adequado planejamento da oferta turística, bem como uma política pública voltada à oferta de um turismo responsável, de forma holística, que visa atingir satisfatoriamente todas as partes envolvidas nesse processo.
Ainda sobre planejamento da oferta turística, esse deve considerar-se como uma de suas principais pautas a opinião de todos os envolvidos nessa receção. Isso inclui, é claro, o morador local comum, que precisa ter a sua rotina diária considerada e respeitada. Uma vez que o turismo passa a causar impacto que prejudique sua vida econômica e rotina diária, é natural e aceitável que o público recetor se torne resistente ao turismo em sua cidade.
Já não é de agora que se percebe a problemática e se reflete a respeito do “turismo predatório”, porém, o que se percebe é uma morosidade nas tomadas de decisão, ou mesmo nenhuma ação para contornar o problema.
Ao contrário, percebemos atualmente que a prática de moldar as atrações e as instalações para satisfazer a boa experiência do turista continua a ser praticada sem planejamento, contribuindo, assim, para sua descaraterização e destruição. O caso de Veneza, na Itália, por exemplo, é um dos mais emblemáticos. Os moradores que ainda vivem na cidade são prisioneiros da falta de solução para os problemas agravados ano após ano com o número de turistas que aumenta além do que a cidade é capaz de suportar. Essa situação afasta os moradores (que foram drasticamente reduzidos a cerca de 60.000 no ano de 2018), incapazes de suportar o aumento do custo de vida na cidade, falta de emprego que não ligados ao turismo, além da falta de bom relacionamento com os visitantes, o que afeta fortemente o seu dia-a-dia.
A insatisfação com essa situação é apontada não apenas por moradores comuns mas, até, mesmo por comerciantes locais, que possuem algum tipo de vantagem com a prática do turismo.
No contraponto desse exemplo, existem localidades que impuseram suas regras, valores de taxas ambientais e limite de visitantes diários, que, embora sejam feitas de maneira insuficiente, funcionam como inibidores de ações do turismo predatório. São os exemplos disso, entre outros, Bonito, em Mato Grosso do Sul, e o arquipélago de Fernando de Noronha, em Pernambuco (ambos no Brasil). Essas medidas são tomadas a partir de políticas públicas que visam minimizar os impactos ambientais e sociais dessas regiões tão procuradas por turistas de todo o mundo. Claro que existem impactos e problemas, mas aqui focaremos em medidas que “ainda” funcionam para a não destruição e descaraterização desses locais.


Gruta do Lago Azul Bonito MS Fonte: https://pousadasaojorge.com.br/blog/tag/bonito/

Em Bonito, por exemplo, existem muitos locais em que, além de um número restrito de visitantes por dia, não é possível fazer a visita sem o acompanhamento de um guia credenciado da região. Essa ação previne que turistas mal-intencionados tenham acesso às grutas e cachoeiras, uma vez que se faz um pequeno cadastro/reserva para acessar determinadas áreas. Além disso, as altas taxas ambientais cobradas tornam uma viagem para esse destino bastante dispendiosa.
Já em Fernando de Noronha, a restrição no número de pessoas que acessam o arquipélago por dia até existe mas, recentemente, na prática, já dá sinais de descontrole em nome do crescimento. Existe ainda, uma quebra de braço entre o governo de Pernambuco, que incentiva o aumento de licenças para voos diários e construções de novos empreendimentos hoteleiros na ilha, indo contra as recomendações do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação e Meio Ambiente), órgão que é a favor de um estudo mais atualizado e aprofundado sobre a capacidade da ilha.



Ainda que exista uma das taxas de preservação ambiental mais altas do país, tais resoluções, que visam o aumento de turistas e crescimento econômico, colaboram para a degradação do local como um todo.
É assustador detetar que, em momento de urgência de preservação, alguns locais fazem o caminho inverso, mesmo que possuam as ferramentas que os possibilitem manter o controlo de acesso e cuidados ambientais.

Simone Paixão da S. Ribeiro

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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