terça-feira, março 17, 2020

O Entrudo Chocalheiro: um mediatismo efémero?

Recentemente, assistimos à classificação dos Caretos de Podence enquanto Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO[1], já há muito ansiada na região de Trás-os-Montes.
Esta manifestação cultural tradicional não passou despercebida à Direção-Geral do Património Cultural que, no ano de 2017, se empenhou no processo tendente à atribuição à “Festa de Carnaval dos Caretos de Podence” do título de Património Cultural Imaterial[2]. Esta festa estava enquadrada nos parâmetros que envolvem a identidade da comunidade de onde a tradição é originária, e a sua importância para o Nordeste Transmontado enquanto uma fonte histórica e uma prática festiva caraterística da mesma.
As celebrações ancestrais que encerram as Festas de Inverno do Concelho, englobam a Festa dos Rapazes e dos Reis, que são caraterísticas entre os meses de dezembro e janeiro, têm como protagonistas os jovens das aldeias, que ficam encarregues de organizar as missas, rondas e peditórios. Vigiados pelos mordomos, deslocam-se pelas ruas da aldeia, onde realizam as rondas e recolhem, das casas dos vizinhos, o fumeiro que, depois, será confecionado em comunidade.
 Posteriormente, é dado seguimento ao Entrudo Chocalheiro. Este, é uma celebração onde os rapazes solteiros se vestem a rigor, com trajes de franjas de lã colorida, máscaras de latão e chocalhos à cintura, para atravessarem as ruas principais da aldeia. Nesta travessia até ao adro da igreja, chocalham as raparigas solteiras e afugentam os homens.

Caixa de texto: Fotografia 1 da autoria de Pedro Sarmento Costa, Lusa




Mas o ponto central deste artigo diz respeito ao facto desta festividade ter ganho uma notoriedade em massa quase da noite para o dia. Até que ponto é que a classificação dos Caretos de Podence foi e vai ser benéfica a longo prazo?
O destaque repentino da aldeia de Podence pode ser interpretado de algumas formas, sendo que a principal é o acentuado crescimento de visitantes que se deslocam à região por esta ser uma celebração singular. Não é surpresa que o elevado número de visitantes leva a que a região beneficie de um crescimento momentâneo da economia, pois o visitante acaba por visitar, na maioria das vezes, a capital de distrito, o que faz com que esta também partilhe de algum do protagonismo devido às diversas comemorações que ocorrem no centro da cidade.
Nesta semana de folia, o fluxo de visitantes excede o normal em comparação aos restantes meses do ano (excetuando o mês de agosto), mas, ao mesmo tempo que este acontecimento traz diversos benefícios, tais como reconhecimento e preservação das tradições da região, crescimento da economia e turismo e controlo do despovoamento territorial, traz, de igual forma, malefícios.
Apesar destes serem representados por uma pequena fração, são relevantes e devem ser explorados pois são, muitas vezes, questões que dizem respeito ao abandono progressivo das aldeias e cidades do interior transmontano, estas que estão na booking list ocasional do visitante, como neste caso, em particular.
Estas aldeias pacatas que, no dia-a-dia, estão condicionadas a sobreviver daquilo que a agro-pastorícia lhes provê e de eventos sazonais, não estão preparadas para receber o visitante em grande escala. As suas estruturas hoteleiras, bastante reduzidas, em comparação à cidade, não estão capazes de satisfazer, no seu expoente máximo, quem a vai conhecer, pois o fluxo elevado de pessoas não é habitual, o que pode conduzir a que não tenham a experiência mais agradável e, posteriormente, não queiram regressar.
Neste sentido, o aglomerado de pessoas pode diminuir a sensação de que estamos a assistir a uma manifestação cultural ancestral e, subsequentemente, fazer com que a tradição perca a sua essência. Este é um pequeno (grande) preço a pagar pelo reconhecimento e valorização daquilo que Trás-os-Montes tem para oferecer.

Sara Beatriz Trancoso da Fonte

Referências:




[1] Ficha de Candidatura nº 01463/2019 para a inscrição na Lista de Representantes do Património Cultural Imaterial da Humanidade, publicada na 14ª sessão em Bogotá, Colombia de 9 a 14 de dezembro de 2019.
[2] Anúncio nº13/2017, publicado em Diário da República, 2ª série, nº 33 de 15 de fevereiro de 2017.

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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