segunda-feira, março 16, 2020

CASAS E LUGARES DO SENTIR

O concelho do Fundão, situado no interior de Portugal, numa latitude média da Península Ibérica, encontra-se implantado na confluência de diferentes áreas geográficas e correntes culturais. Foi, aliás, a específica posição geográfica do concelho que, prioritariamente, determinou a escolha do tema para a redação do presente artigo de opinião.
É sabido que as localidades interiores do país, em virtude das caraterísticas que as distinguem das demais - como é o caso da menor densidade populacional - se revestem de especial interesse no que concerne ao património cultural e às políticas de desenvolvimento regional. Paulatinamente, o concelho do Fundão tem investido num processo de diferenciação territorial, explorando a disponibilidade dos seus recursos e reassumido, com consciência e criatividade, a sua raiz histórica rural como um valor estratégico de desenvolvimento.
Assim, no ano de 2017, a Câmara Municipal do Fundão e a UNESCO, através da celebração de um protocolo, criaram uma rede de casas temáticas sediadas nas diversas freguesias do município. Essa rede, à qual foi dado o nome de Casas e Lugares do Sentir1, compreende: a Casa do Barro, no Telhado; a Casa do Bombo, em Lavacolhos; a Casa da Poesia Eugénio de Andrade, em Póvoa da Atalaia; a Casa da Romaria de Santa Luzia, em Castelejo; a Casa das Memórias António Guterres, em Donas; as Casas dos Ofícios, em Soito da Casa; as Casas do Folclore, em Silvares; a Casa do Pastor, em Salgueiro; e a Casa da Cereja, em Alcongosta.
A salvaguarda de tradições e saberes pertencentes às comunidades, a aquisição e transmissão de conhecimentos, a participação cívica, a inclusão multicultural, a sociabilidade, entre outras, são as principais linhas programáticas através das quais se regem estes equipamentos: “Em termos turísticos, as Casas e Lugares do Sentir vêm estruturar uma rede de visitação museológica por entre saberes e sabores que se encontram estrategicamente localizados nas imediações de outros recursos e atrações turística do concelho, acrescentando assim valor aos circuitos de visitação.”2
         Por razões de economia expositiva, faremos apenas uma breve referência à Casa do Barro e à Casa da Romaria de Santa Luzia, considerando-as casos exemplares.
         A Casa do Barro situa-se num antigo palacete da aldeia do Telhado, recolhendo às memórias daquela que foi a atividade que caraterizou a freguesia: o fabrico de louças em barro. Aqui são mostradas as fases de fabrico das louças tradicionais e aspetos da vida da antiga comunidade oleira. Lugar de afirmação identitária da freguesia, este espaço funciona como polo cultural e turístico.
         A Casa da Romaria de Santa Luzia, por seu turno, é dedicada a uma das maiores manifestações religiosas da devoção popular da região. A emoção e a devoção desta romaria são evocadas neste espaço, através de imagens relacionadas com o culto de Santa Luzia, dos ex-votos, da arte das flores da romaria (com as suas diferentes formas, cores e matizes), e de fotografias antigas, onde são reproduzidos os seus momentos mais emblemáticos. As flores de Santa Luzia são um dos símbolos maiores da romaria. Durante gerações, foram produzidas manualmente pela família Misarela, tendo esta arte sido transmitida e perpetuada até aos nossos dias. Apreciadas e valorizadas, as flores de Santa Luzia são um dos mais singulares símbolos da festa e da região que a acolhe.
         Este projeto parece-nos, incontestavelmente, merecedor de aplauso e apoio. Estas Casas valorizam e promovem a identidade, a memória, a história e as tradições de um território, fomentando, ao mesmo tempo, a fruição das artes e a coesão cultural. São polos que fortalecem vínculos e erguem pontes biunívocas entre os recursos do território e aqueles que dele usufruem, seja a comunidade local ou o turista. Funcionam como locais de proteção, preservação, divulgação, valorização e dinamização do património material e imaterial da região, a que acresce o seu inegável potencial de gerar riqueza.
A ativação destas Casas permitiu igualmente a recuperação de edifícios de evidente carga simbólica para a comunidade, que, de outro modo, se tornariam obsoletos, como as antigas escolas primárias. Somos, enfim, ainda da opinião de que o sucesso desta iniciativa dependerá, em larga medida, da articulação fecunda que ela estabelece/estabelecerá com outros recursos sujeitos a exploração turística.


Fig.1 – Rede de Casas e Lugares do Sentir

                               
Luís Filipe Marinho Leite

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acedido a 10-03-2020

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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