quinta-feira, março 19, 2020

Paisagem Cultural de Sistelo: um breve olhar sobre o impacte do turismo

A Paisagem Cultural de Sistelo, também conhecida como Tibete Português devido às paisagens repletas de socalcos, é uma aldeia de remota origem medieval – das mais antigas do Alto Minho – situada no coração do Parque Nacional da Peneda-Gerês, muito próxima à nascente do rio Vez. Localizada a norte do concelho de Arcos de Valdevez, encontra-se encaixada no fundo de um vale e abarca em si os lugares de Igreja, Padrão e Porta Cova, encastoados entre o troço inicial do rio Vez e a serra da Peneda.

Figura 1 - Socalcos de Sistelo


Trata-se de um local revelador de uma profunda relação entre as suas populações e o respetivo território, representando um exemplo da capacidade de adaptação do Homem às singularidades e adversidades da natureza, como, de resto, podemos constatar pela criação dos socalcos. Em tempos, os declives caraterísticos desta região constituíam uma barreira natural à agricultura, tendo sido ultrapassada pela construção de socalcos que permitiram não apenas contrariar o declive natural do território mas, também, o aumento da superfície agrícola.
Este local é, também, caraterizado pela sua arquitetura vernácula centrada no uso do granito, que moldou a feição de habitações, templos, pontes e calçadas. Repleta de património, a aldeia de Sistelo contempla um conjunto de elementos de interesse cultural e turístico, nomeadamente a Ponte Romana de Sistelo, a Igreja Paroquial, uma variedade de capelas, um cruzeiro e um fontanário. Assume destaque a Casa do Castelo de Sistelo, um palácio revivalista de planta retangular, com duas torres com ameias, cuja origem remonta à segunda metade do século XIX, mandado edificar por Manuel António Gonçalves Roque, filho da terra, primeiro e único Visconde de Sistelo, após o seu regresso do Brasil. A aldeia de Sistelo possui, ainda, um miradouro – miradouro do Chã da Armada –, a partir do qual se pode contemplar a paisagem, bem como um trilho – trilho das Brandas de Sistelo – e a Ecovia do Vez, que percorrem uma parte significativa do concelho.

Figura 2 - Casa do Castelo de Sistelo


É assim que, considerando todos estes elementos, a Câmara Municipal de Arcos de Valdevez lançou, a 4 de Dezembro de 2008, a proposta para a classificação da Paisagem Cultural de Sistelo. A 9 de Maio de 2017 dá-se a publicação do projeto de decisão relativo à classificação como Sítio de Interesse Nacional/Monumento Nacional da Paisagem Cultural de Sistelo. A 3 de Setembro de 2017, a aldeia de Sistelo é eleita uma das 7 Maravilhas de Portugal, na categoria de Aldeia Rural, pela iniciativa da RTP.
A aldeia de Sistelo integra, ainda, a Rede Natura, bem como parte de uma área protegida que, em 2009, terá sido classificada pela UNESCO como Reserva Mundial da Biosfera. De acordo com a Direção Geral do Património Cultural, a Paisagem Cultural de Sistelo é composta por um espaço natural de superior qualidade paisagística, natural e ambiental, ao qual se soma um notável património etnográfico e histórico.

Figura 3 - Aldeia de Sistelo


Após a classificação de Aldeia Rural pelo programa da RTP das 7 Maravilhas de Portugal, bem como a promulgação do diploma que classifica Sistelo como monumento nacional, enquanto paisagem cultural, pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a aldeia de Sistelo sofreu um surto turístico, passando a viver dias agitados com o crescente fluxo de turistas. Para tal, contribuíram, também, os cerca de 10 quilómetros de passadiços integrados na Ecovia do Vez.
Além de todas as alterações produzidas para albergar o crescente número de turistas, nomeadamente, no que respeita à ampliação de espaços existentes, bem como a criação de novos espaços, do qual é exemplo um café-restaurante, onde anteriormente terá funcionado apenas uma mercearia, foram, também, implementadas medidas de contingência, no que respeita às rotinas e aos modos de vida da população.
Com isto, surge também a necessidade de criar unidades de alojamento para os turistas, devido à escassez das mesmas, revelando-se, por parte de várias pessoas, crescente o interesse no investimento neste sentido. A par das necessidades manifestadas, surgem iniciativas, nomeadamente a transformação da Casa do Castelo em centro interpretativo da paisagem cultural, com o objetivo de acolher os turistas, orientando-os para os vários recantos da aldeia, a recuperação de um velho moinho e o acréscimo de mais meio quilómetro aos passadiços. Estas alterações têm por base a candidatura a projetos de financiamento que permitem a realização das mesmas.
Se, por um lado, toda esta nova realidade é encarada como uma oportunidade, sobretudo por parte dos jovens, que encontram nesta mudança novas perspetivas de construírem o seu futuro na sua terra natal, contribuindo para o desenvolvimento da mesma, por outro lado, os mais velhos encaram tudo isto como uma violação da pacatez da aldeia, refugiando-se nos campos com o intuito de evitar as câmaras fotográficas dos turistas. Neste sentido, a questão que se coloca procura compreender em que medida o turismo pode ser benéfico para esta região enquanto património, pois, se, por um lado, este fenómeno produz desenvolvimento social, cultural e económico, por outro lad, condiciona e limita as caraterísticas naturais, bem como a genuinidade do local, se considerarmos que o elevado fluxo de turismo retira ao espaço e à população a pacatez que a caraterizava.

Ângela Maria Rodrigues Calisto

Referências:

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, lecionada ao Mestrado em Património Cultural, do ICS/UMinho)

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