A patrimonialização de cidades históricas pode trazer
muitos benefícios para as populações que nelas residem, porém, se realizada de
forma equivocada, também gera alguns transtornos. Tomo como exemplo a
população das áreas periféricas do centro histórico da Cidade de Goiás, em
Goiás, Brasil, e a “fronteira social”
entre os moradores do município e os espaços que, por conta do título de Património
Mundial dado ao centro histórico pela UNESCO em 2001, têm recebido um grande
contingente de turistas. Diante desta nova realidade, a população local
percebeu diversas mudanças – nem sempre benéficas – na sua forma de
socialização e manifestação de sua cultura.
A
valorização econômica que um sítio, quando patrimonializado, adquire, acabando
por virar mercadoria, principalmente para a indústria turística, pode ser
contraditória. Igrejas e outros pontos de interesse cultural – ou econômico? –
passam a cobrar pelos bilhetes de entrada, vender postais e muitos outros tipos
de souvenir. Até que ponto esta
prática pode ser considerada errada? Afinal, o valor do bilhete muitas vezes é
investido na manutenção e preservação do local, local este cujo entorno, muitas
vezes, também passa por um processo de valorização econômica com a especulação
imobiliária, fazendo com que os moradores originais daqueles locais sejam
obrigados a procurar outros lugares mais acessíveis para viverem.
Foi
o que aconteceu, por exemplo, com os moradores da Cidade de Goiás, que
questionam, desde 2001, a questão
da patrimonialização e da criação de uma “paisagem de poder” em áreas que antes
eram abandonadas pela esfera pública mas que, hoje em dia, são espaços
extremamente importantes para o desenvolvimento socioeconômico da cidade. A
valorização imobiliária do local fez com que essas pessoas – os “filhos de
Goiás”, descendentes de famílias tradicionais do local que antes viviam no
centro histórico, e por outros indivíduos que migraram para a cidade após a
década de 1960 – fossem obrigadas a se deslocar para a periferia, para dar
lugar a um novo tipo de frequentadores que ali se estabeleceram, não podendo,
portanto, usufruir da valorização que ocorreu na área após a patrimonialização
da mesma. O cuidado com o património material, portanto, pode implicar
em descuido ou descaso com populações diretamente vinculadas ao sítio.
Os
moradores das cidades históricas, como Ouro Preto, em Minas Gerais, sofrem
ainda mais que os que vivem em locais que possuem apenas um centro histórico
patrimonializado. Quando o foco do fluxo turístico é a cidade inteira, ela
encarece por completo, transformando-se em mercadoria. Percebe-se, nestas
cidades, “centros históricos iluminados e suas periferias opacas” (CRUZ, 2012)
– periferias estas nas quais vive toda a população que, normalmente, migra para
os centros pois sua fonte de renda está na exploração do turismo.
A
fetichização dos patrimónios – materiais ou imateriais – promovida pela
indústria turística é outra reflexão importante: o sentido do património
(principalmente do imaterial) é desvirtuado pela constante tentativa de
preservação de algo que, em sua essência, vai passar por mudanças. E a
preservação, para além da tentativa de alguns órgãos públicos de manterem uma
suposta “tradição” do país, baseia-se também na investida da indústria
turística de manter algo que se possa ser mercantilizado.
Portanto,
o crescente movimento de turistificação em áreas que guardam algum património, material
ou imaterial, provoca uma análise extremamente importante em relação aos
patrimônios de pedra e cal, como sua influência na vida das pessoas que os
cercam, a elitização dos espaços nos quais se encontram esses patrimónios e a
consequente exclusão da população local, a quem os espaços deveriam servir, das
áreas patrimonializadas.
Laura
Mineiro Teixeira
Referências
bibliográficas
CRUZ, Rita de Cassia Ariza da. “Patrimonialização do
patrimônio”: Ensaio sobre a relação entre turismo, “patrimônio cultural” e
produção do espaço. pp. 95 - 104. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 31, 2012.
OLIVEIRA, Marcelo Iury de. Das margens ao centro
histórico: patrimônios e turismo na perspectiva dos moradores das áreas
periféricas na Cidade de Goiás – Goiás. 2014. Dissertação (Mestrado em
Antropologia Social) - Universidade Federal de Goiás.
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2018/2019)
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2018/2019)
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