domingo, março 10, 2019

O TURISMO SOMBRIO E O USO DAS REDES SOCIAIS: O CASO DO MEMORIAL DO HOLOCAUSTO

Turismo sombrio, ou “dark tourism”, apareceu pela primeira vez na literatura em 1996, quando Foley & Lennon indicaram o termo como “turismo envolvendo locais associados à morte e a muito sofrimento” (Singh et al., 2014). Alguns estudos posteriores propuseram a incrementação do conceito, porém mantendo a origem de estar relacionado à visitação de lugares em que houve mortes, massacres e/ou grande sofrimento. Os campos de concentração nazis de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, a usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, e o Memorial do Holocausto, na Alemanha, são exemplos de locais que recebem milhares de turistas que desejam conhecer de perto as regiões dos maiores massacres e tragédias humanos. O comportamento nas redes sociais de parte dos visitantes a este último local, o Memorial do Holocausto, é o objeto de análise deste artigo de opinião.

O Memorial aos Judeus Mortos da Europa, ou Memorial do Holocausto, como é comumente chamado, está localizado em Berlim, na Alemanha. Inaugurado em 2005, após 17 anos de discussões e deliberações, é um memorial com 2.711 blocos irregulares de concretos, idealizados pelo arquiteto americano Peter Eisenman, em homenagem aos seis milhões de judeus vítimas do Holocausto, massacre ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial (Berlin.de, 2019). Berlim é um grande destino turístico alemão. Em 2018, recebeu aproximadamente 13,5 milhões de visitantes (VisitBerlin, 2019), e o Memorial do Holocausto é um dos dez lugares mais visitados na região (TripAdvisor, 2019).

Em 2017, o artista israelita-alemão Shahak Shapira lançou o projeto Yolocaust a fim de explorar a “nossa cultura comemorativa”, combinando fotos tiradas pelos visitantes no Memorial do Holocausto com imagens dos campos de concentração e extermínio nazis. Este projeto reflete a indignação do artista para com algumas pessoas que, no seu ponto de vista, estavam desrespeitando a história perante o comportamento na visitação. As fotos dos visitantes foram recolhidas através das redes sociais Facebook, Instagram, Tinder e Grindr, a partir de comentários, hashtags e curtidas que fizessem menção ao Memorial. Algumas das montagens de Shapira (Tudo Interessante, 2017) podem ser conferidas abaixo:

Figura 1. Projeto Yolocaust                           



 Figura 2. Projeto Yolocaust


Figura 3. Projeto Yolocaust


Figura 4. Projeto Yolocaust



O resultado do trabalho do artista mostra que não é só o seu ponto de vista que identifica desrespeito por parte dos visitantes: é perturbadora a conduta de pessoas que sequer entendem a carga histórica e emocional que há nos lugares destinados a relembrarem os massacres sofridos. Não parece que as pessoas compreendam que visitar lugares que remetem para tragédias faz parte de um tipo de turismo sério e que precisa ter como objetivo preservar e lembrar da história para não refazê-la. Visto o comportamento das pessoas em um memorial que homenageia seis milhões de mortos, o que precisa mesmo ser lembrado são as poses, as roupas, as legendas e os sorrisos dos visitantes. Será, portanto, que o turismo sombrio talvez tenha este nome por relevar assustadoramente este lado da alma humana?

Atualmente, o website Yolocaust não está mais disponível, porque, segundo o artista, ele atingiu o propósito do projeto: sensibilizar turistas para não cometerem este mesmo comportamento, e tocar também aqueles que estavam presentes nas fotos originais. Foram dois milhões e meio de acessos ao website em uma semana, que demonstraram, segundo o artista, que pelo menos há muitas pessoas preocupadas em conservar a memória das vítimas do Holocausto (Yolocaust, 2017). Assim, conservam-se também as boas práticas do turismo sombrio. Não se pode perder de vista que este tipo de turismo também é uma forma de movimentar a economia local e alocar recursos para preservar a história que, sem dúvida, é o mais importante para a humanidade. Há uma frase em Auschwitz, de George Santayana, que diz: “aquele que não lembra do passado, está condenado a repeti-lo”.

Manuela Bandeira de Mélo Vidal

Referências
SINGH, DR. RANBIR, ET AL. 2014. Development of Dark Tourism. International Journal of Management Research & Review, Volume 4, Issue 8, Article No-7/830-833

Berlin retains strong appeal for visitors and congresses participants. Consultado em março 09, 2019 em: https://about.visitberlin.de/en/press/press-releases/berlin-retains-strong-appeal-visitors-and-congresses-participants

Memorial to the Murdered Jews of Europe. Consultado em março 09, 2019 em:  

O que fazer em Berlim. Consultado em março 09, 2019 em:

Yolocaust. Consultado em março 09, 2019 em: http://yolocaust.de/

Artista cria montagens chocantes contra fotos de turistas no Memorial do Holocausto. Consultado em março 09, 2019 em: https://www.tudointeressante.com.br/2017/01/artista-cria-montagens-chocantes-contra-fotos-de-turistas-no-memorial-do-holocausto.html


(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia do Turismo”, de opção, lecionada a alunos de vários cursos de mestrado da EEG, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2018/2019)

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