A patrimonialização de cidades ou centros históricos é
alvo de intensos debates, tanto por parte de pesquisadores quanto dos próprios
habitantes. Tais cidades, bem como os monumentos e conjuntos arquitetônicos
nelas localizados, devem ser preservados – mas de que forma é realizada esta
preservação? A quem devem servir os monumentos?
É comum
que alguns bens culturais, quando patrimonializados, acabem perdendo sua função
inicial para tornarem-se apenas objetos de apreciação estética e cultural, o
que está longe de ser o ideal para os moradores das cidades, que antes
usufruíam destes bens. Mas há alguns exemplos que fogem a esta regra, casos que
chamo de “valorização consciente”: a rede de transportes de bonde de Santa Teresa, que é património
da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, grande atração turística do
município. Os moradores do bairro utilizam-na gratuitamente, enquanto aos
turistas é cobrado um bilhete de R$ 20,00 por viagem de ida e volta.
Outro
património que teve uma “valorização consciente” é o Mercado Municipal
Paulistano. Localizado na cidade de São Paulo (Brasil), o
edifício foi tombado em 2004 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), por
sua importância histórica e cultural para a cidade. O “Mercadão”, como é
chamado pelos paulistanos, além de ser um grande centro comercial da cidade,
chama a atenção por sua arquitetura e pela identificação que os moradores
possuem com o local. A patrimonialização foi analisada pelos habitantes de São
Paulo como bem-sucedida porque não modificou a finalidade do Mercado e nem a
forma que os paulistanos usufruíam daquele espaço. Simplesmente, gerou mais
investimentos e valorização do centro comercial, isto porque, desde muito antes
de seu tombamento, os moradores já se identificavam com o Mercado. Segundo
Sênia Bastos, esta identificação é essencial para que a valorização dos
patrimónios seja consciente, pois isso leva à compreensão da identidade da
própria cidade:
“[...] o morador reconhece o patrimônio da
cidade na medida em que este alcança o status de um lugar de memória, de
pertença, compõe sua história e integra sua cultura: monumentos, edificações,
logradouros [...] a hospitalidade inscreve-se nesse contexto de valorização da
memória e da história, no processo de tradução dos percursos diários na cidade
de forma compreensível” (Bastos, 2006, p. 51).
Um ponto essencial para que a
valorização dos monumentos das cidades seja consciente, portanto, é não
desatrelar os conceitos de “cultura” e “lazer” com os de “trabalho” e
“cotidiano”. Os moradores do Rio de Janeiro e de São Paulo só reconhecem o bondinho e o Mercadão, respetivamente, enquanto
patrimónios justamente porque ainda usufruem destes espaços em seu cotidiano,
como meio de transporte e centro comercial. Segundo Ulpiano de Meneses:
“a cidade culturalmente qualificada é boa
para ser conhecida (pelo habitante, pelo turista, pelo que tem aí negócios a
tratar, pelo técnico, etc.), boa para ser contemplada, esteticamente fruída,
analisada, apropriada pela memória, consumida afetiva e identitariamente, mas
também, e acima de tudo, é boa para ser praticada, na plenitude de seu
potencial” (Meneses, 2006, p. 39).
Não devemos, portanto, “petrificar” ou “museificar” os
patrimónios das cidades para valorizá-los. Devemos, pelo contrário, centrar as
preocupações nos principais fruidores dos patrimónios. Enquanto os habitantes
das cidades os entenderem como espaços simbólicos de seu dia a dia eles serão
frequentados – levando, assim, à valorização por parte da população e dos
turistas.
Laura Mineiro Teixeira
Referências bibliográficas
BASTOS,
Sênia. Hospitalidade: uma perspectiva para a requalificação do centro
histórico de São Paulo. Revista Hospitalidade, São Paulo, ano III,
número 2, p. 51-62, 2º sem. 2006.
MENESES,
Ulpiano Bezerra. A cidade como bem
cultural. V. H. Mori, M. C. de Souza, R. Bastos, H. Gallo (orgs.).
Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo: 9SR/IPHAN, 2006.
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2ºsemestre do ano letivo de 2018/2019)
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2ºsemestre do ano letivo de 2018/2019)
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