A velocidade com que novidades e mudanças dissipam-se e
instalam-se no mundo todo já é motivo de discussão e problematizações nos mais
diversos âmbitos, sejam eles acadêmicos ou não, uma vez que muitas vezes
efeitos negativos são visualizados em decorrência da incapacidade que as
sociedades em geral apresentam ao lidar com essas aceleradas transformações. O
turismo, setor hoje responsável por grande parte da economia movimentada a
nível global, acaba por estar intrinsecamente ligado a uma gama de mudanças
cujas consequências nem sempre são acompanhadas e resolvidas da melhor maneira.
Na última década, o turismo, em geral, floresceu mais do
que nunca devido às facilidades ligadas à mobilidade, à economia, à comunicação
e a outros fatores que possibilitaram a indivíduos
das mais distintas classes sociais e estilos de vida a realização de viagens e
atividades mais acessíveis, em diversos níveis. No entanto, alguns destinos
sofreram mais do que outros com este crescimento, fazendo com que efeitos negativos
afetassem diretamente populações locais e a dinâmica cotidiana das mesmas. Este
é o caso de Barcelona, cidade cuja atividade turística tomou dimensões
desproporcionais à capacidade de resolução dos impasses decorrentes do turismo
de massas, onde foram registrados recentemente episódios de hostilidade local das
alterações sofridas na metrópole.
Ao contrário de cidades que sofrem majoritariamente com os
impactes desfavoráveis da patrimonialização de seus centros históricos, é
possível visualizar que o problema enfrentado pelos moradores de Barcelona é
ainda mais complexo, uma vez que trata-se de um impasse prejudicial a vários
níveis. Não é apenas a questão do património e sua visibilidade e capitalização
pela atividade turística que figuram neste caso, mas também outros segmentos do
turismo que acabam por atrair milhões de viajantes para Barcelona todos os
anos. Muitos são os bairros
barcelonenses que sofrem diariamente com o excessivo número de turistas,
movimento este que gera um aumento exorbitante nos valores do comércio em geral
e, sobretudo, nos preços do alojamento, que já hoje é escasso devido ao
turismo. Além disso, a exploração coordenada pelas grandes empresas hoteleiras
também configura-se enquanto motivo de revolta por parte da população, por
representar um dos setores que menos se compromete em pagar salários dignos aos
funcionários empregados no ramo.
Ao explorar a conotação do termo “turismofobia”, cunhado
por grupos envolvidos e beneficiados diretamente pelo turismo, foi possível
verificar que o mesmo tenta descrever uma faceta da indignação local que não é
compreendida em toda sua complexidade, visto que os problemas são causados pela
indústria do turismo e não pelos turistas especificamente, além de ser uma
expressão que mascara o verdadeiro ímpeto socioeconômico por trás das
motivações dos segmentos prejudicados por todo este processo.
Em resposta aos impactes de menor e maior intensidade,
foram registradas em Barcelona, recentemente, manifestações contrárias ao
turismo e suas consequências negativas, onde grupos demonstraram repulsa à dinâmica
capitalista associada a todos os problemas vivenciados na região nos últimos
anos. Um exemplo destes protestos ocorreu em agosto de 2017, organizado pelo
grupo de esquerda conhecido como Arran, onde cartazes com referência à causa
foram escritos e levados à famosa praia de Barceloneta, local que goza de
altíssima importância para o turismo da região,
por militantes do grupo de que se fala. A questão é tão relevante que, segundo
Alan Domínguez, “é emblemático o resultado da pesquisa
municipal que registra como, em 2017, pela primeira vez, o turismo se tornou a
maior preocupação dos moradores de Barcelona, deixando para trás questões mais
“tradicionais”, como desemprego e condições de trabalho, trânsito ou
habitação.” (DOMÍNGUEZ, 2018, p. 24-25)
JOSEP LAGO/AFP/Getty Images
Acesso em: 07/04/2018
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Além das declarações e movimentos organizados por
habitantes da metrópole, verificou-se também a iniciativa, no campo político,
de uma maior fiscalização em torno do setor do alojamento, com a criação de uma
lei que controla o número de camas e alojamentos disponíveis para turistas na
cidade, o que nos mostra que o problema é visto e tratado por parcelas diversas
da sociedade que forma a capital catalã.
Barcelona é um exemplo impressionante dos impactes
negativos que podem ser causados pelo turismo de massas e também de mobilização
civil, uma vez que manifestações contrárias à dinâmica do turismo ainda não são
muito comuns, mesmo em locais onde a exploração é altamente intrínseca às
atividades turísticas. No entanto, nota-se que a tendência é que outros sítios
afetados pela indústria do turismo sejam contagiados pelas reivindicações de
parte da população catalã. Por fim, considero ser necessária uma mudança de
abordagem por parte de agentes públicos e no campo da política em geral, para
que seja viável uma transformação que destine-se, ao menos, a controlar e
fiscalizar o que for possível dentro da dinâmica desta poderosa indústria de
que se fala, visando o bem-estar da população local e a diminuição dos riscos,
problemas e eventuais crises que possam ser originadas.
Acredito ser essencial também a construção de meios
instrutivos, não apenas em Barcelona mas no mundo todo, com propósito de educar
a população em geral para que o turismo possa ser realizado de maneira menos
agressiva e mais sustentável.
Angélica Vedana
REFERÊNCIAS
Domínguez,
Alan Quaglieri. Turismofobia, ou o
turismo como fetiche. Revista do centro de pesquisa e formação SESC, p.
22-30. Edição Especial: Ética no Turismo. São Paulo, Jun/2018.
https://www.noticiasaominuto.com/mundo/845744/manifestacoes-anti-turismo-espalham-se-por-varias-cidades-europeias/
Acesso em: 09/04/2019
https://observador.pt/2017/08/13/protesto-anti-turistas-invade-praia-de-barcelona/
Acesso em: 07/04/2019
https://viagens.sapo.pt/viajar/noticias-viajar/artigos/turismo-e-o-principal-problema-de-barcelona-a-frente-do-desemprego
Acesso em: 10/04/2019
https://www.voltaaomundo.pt/2017/10/03/catalunha-turistas-apanhados-no-meio-das-manifestacoes-pacificas/ Acesso em: 10/04/2019
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2018/2019)
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2018/2019)
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