segunda-feira, abril 08, 2019

NEGLIGÊNCIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL: O CASO DO MUSEU NACIONAL

Em 2 de setembro de 2018, o Museu Nacional do Brasil, o maior museu de história natural e antropológica do país, localizado na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, ardia em chamas. Segundo peritos da Polícia Federal, em relatório divulgado oito meses depois do ocorrido, há indícios de que o fogo começou devido a um curto-circuito em um aparelho de ar-condicionado que estava ligado a outros dois equipamentos por um mesmo disjuntor. Tratou-se, claramente, de uma utilização inadequada levando à sobrecarga, indo contra as indicações do fabricante, segundo a Polícia.

As condições das instalações elétricas não eram as únicas degradadas no museu. Dono de um acervo de mais de 20 milhões de itens, inclusive os remanescentes esqueléticos de Luzia, o fóssil humano mais antigo de que se tem registro no Brasil e, possivelmente, nas Américas, datado de entre 13.000 e 11.000 anos do presente. O Museu Nacional ainda sofria de infiltrações, salas vazias por incapacidade de funcionar devido à infraestrutura inadequada e falta de limpeza. Professores de pós-graduação chegaram a pagar o deslocamento da equipe de limpeza para que acervos mais sensíveis não fossem danificados pela sujeira.

O local, que funcionava num palacete que serviu de residência à família real portuguesa entre 1808 e 1889 e foi fundado por D. João VI, em 1818, há alguns anos passava por dificuldades financeiras, quando não recebia o repasse necessário da União para a sua manutenção. Em cinco anos, entre 2013 e 2018, as despesas pagas para o Museu Nacional pela União, representada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, à qual o museu estava vinculado, caiu de R$ 979.952,00 (2013) para R$ 98.115,00 (2018): uma redução de aproximadamente 90%. Em 2018, ano do incêndio, o então Ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, afirmou que “certamente a tragédia poderia ter sido evitada”. O que se pode dizer é que certamente vem uma pergunta à mente dos brasileiros, diante desta declaração: como a tragédia poderia ter sido evitada se não havia repasse de verbas para a manutenção e restauração do local? Neste mesmo ano, não foi gasto nem um real para a compra de equipamentos e materiais de segurança.

O caso do Museu Nacional do Brasil demonstra a falta de importância dada à cultura no Brasil. O futuro do cenário cultural e histórico brasileiro, mesmo diante desta tragédia de grandes proporções, continua assustadoramente incerto. Se em 2018 havia pelo menos um Ministério da Cultura que pudesse ter autonomia em possíveis regulações e repasses, em 2019, com o novo Governo, este mesmo Ministério foi extinto, sendo suas atribuições incorporadas no novo Ministério da Cidadania e Ação Social (o qual também gere as atribuições dos Esportes).

Os brasileiros, e não só o Governo Federal, também precisam valorizar mais a cultura do próprio país: em 2017, registrou-se mais visitantes brasileiros no Museu do Louvre, em Paris, que no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. É realmente impossível não ficar desconfiado em relação à preservação adequada da cultura brasileira para os próximos anos. A negligência dos patrimônios culturais parte de todos os lados, por isso o país precisa redobrar a atenção para a manutenção da sua rica história.

Figura 1. Museu Nacional sendo consumido pelas chamas – Foto: Marcello Dias / Futura Press

Manuela Bandeira de Mélo Vidal

Referências

Anon., 2018. Gasto com segurança no Museu Nacional foi a zero neste ano. [Online]
Available at: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/09/04/interna-brasil,703786/gasto-do-museu-nacional-com-seguranca-foi-zero-neste-ano.shtml
[Acesso em 6 Abril 2019].
Anon., 2018. Repasses ao Museu Nacional diminuíram, mas verbas à UFRJ aumentaram. [Online]
Available at: https://oglobo.globo.com/rio/repasses-ao-museu-nacional-diminuiram-mas-verbas-ufrj-aumentaram-23036586
[Acesso em 6 Abril 2019].
Baloussier, A. V., 2019. Gambiarras nas instalações elétricas provocaram incêndio no Museu Nacional. [Online]
Available at: https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2019/04/gambiarras-nas-instalacoes-eletricas-provocaram-incendio-no-museu-nacional.shtml
[Acesso em 6 Abril 2019].
Barifouse, R., 2018. Em 2017, mais brasileiros foram ao Louvre, em Paris, do que ao Museu Nacional. [Online]
Available at: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45402234
[Acesso em 6 Abril 2019].
Carneiro, J. D. & Machado, L., 2018. Pesquisadores encontram fóssil de Luzia no Museu Nacional: o que continua desaparecido?. [Online]
Available at: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45391771
[Acesso em 6 Abril 2019].
Grellet, F., Jansen, R., Pennafort, R. & Ciarelli, M., 2018. Fogo destrói Museu Nacional, mais antigo centro de ciência do País. [Online]
Available at: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,incendio-atinge-museu-nacional-no-rio,70002484984
[Acesso em 6 Abril 2019].
Matais, A., 2018. Museu Nacional: Ministro da Cultura diz que “certamente tragédia poderia ter sido evitada”. [Online]
Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/museu-nacional-ministro-da-cultura-diz-que-certamente-tragedia-poderia-ter-sido-evitada/
[Acesso em 6 Abril 2019].


(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia do Turismo”, de opção, lecionada a alunos de vários cursos de mestrado da EEG, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2018/2019)

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