Em Portugal, o Património
Industrial nem sempre foi alvo das melhores considerações e atenções por parte
dos seus proprietários e, por isso, a preocupação com a sua salvaguarda tem,
portanto, meros anos de vida. Debruçando-nos um pouco sobre o país berço da
revolução industrial, as intenções de salvaguardar e proteger o património
industrial nasceram no seio de um sentimento nostálgico daquilo que foi a
tradição industrial britânica. Pioneiros na revolução industrial, os britânicos
foram também os primeiros a ponderar proteger aquilo que, outrora, deu lugar às
instalações fabris. Nasce aqui, portanto, um outro tipo de “património”.
Em Portugal, tal processo
decorre muito mais tarde, mais precisamente trinta anos após a Grã-Bretanha, e
talvez seja devido a essa a razão que nos deparamos, hoje, com imensos casos de
ruínas industriais. Se é verdade que existem inúmeros edifícios que foram já
adaptados a uma nova função na sociedade, ainda que alguns deixem muito a
desejar quanto à sua intervenção, é bem verdade também que ainda há muito a
fazer e discutir acerca do que fazer com tantos outros.
Abordando mais
concretamente o panorama nacional no que toca à recuperação do património industrial,
podem ser referidos aqui alguns dos casos que melhor exemplificam uma boa
prática de recuperação do património. Um desses casos é, com toda a certeza, o
Museu de Lanifícios da Covilhã. Emergido por iniciativa universitária, este
museu está profundamente associado às mudanças económico-sociais verificadas na
região da Covilhã nos anos 70, já que este período foi marcado pelo declínio
dos lanifícios e pelo abandono dos edifícios industriais. No decorrer das obras
de reconversão do edifício num estabelecimento superior, são descobertas as
estruturas arqueológicas pertencentes às Tinturarias da Real Fábrica de Panos e
é aqui que se verifica a boa prática de recuperação e valorização do
património.
Ao contrário de um caso
muito particular que abordarei mais à frente, este tesouro patrimonial foi,
desde logo, alvo de um projeto de recuperação, restauro e musealização por
parte da APAI (Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial). Nos dias de
hoje, o museu conta com um riquíssimo acervo museológico, contemplando coleções
de máquinas, equipamentos e utensílios correspondentes aos períodos
manufatureiro e industrial dos lanifícios, assim como promove iniciativas de
caráter científico-cultural, como, por exemplo, a realização de conferências,
seminários, e outros eventos.
Por outro lado, não só no
campo do património industrial como em tantos outros domínios tem-se verificado
uma prática que em nada dignifica a intenção de recuperar um tipo de
património: o “fachadismo”. Passo a explicar: por “recuperação” de património
entende-se o ato de restaurar e preservar um bem que terá, num cenário ideal,
uma finalidade de preservação da memória social e que constituirá um recurso
pedagógico para a sociedade onde este está inserida. Não se entende, ou pelo
menos não se devia entender, o processo de “recuperação” de um bem como um
“aproveitamento” para uma finalidade meramente decorativa, que nada revela
sobre o papel que este património desenvolveu aquando o seu funcionamento.
Referindo-me ao tema que o artigo pretende abordar, no caso do Património
Industrial, um dos casos que transcreve a situação supracitada é o Centro de
Congressos de Aveiro. Hoje, apenas é possível verificar a fachada daquilo que
outrora foi uma fábrica de cerâmica _ atividade muito característica da zona de
Aveiro _ datada de 1896. Esta fábrica de nome “Jerónimo Pereira Campos, Filhos”
constituía uma pérola da arquitetura industrial da região e desempenhou um
papel económico relevante para a sociedade aveirense. As questões que se
colocam creio que são as seguintes: foi única e exclusivamente possível a
recuperação da fachada do edifício? Que destino tomou todo o equipamento
necessário à atividade fabril? Terá sido a atual função de parte deste edifício
o melhor destino para a preservação deste? O centro de Congressos de Aveiro
acaba por representar mais um dos casos de demolição gratuita, sem que tivesse
havido, previamente, um reconhecimento e registo do que fora demolido. Creio
que é exatamente essa prática anti-patrimonial da ausência de registo que,
hoje, nos faz sentir tão impotentes quanto à obtenção de conhecimento de um bem,
seja ele móvel ou imóvel.
Portugal apresenta-se
como um cenário fértil quanto à possibilidade de se realizarem novos organismos
com vista à preservação do património industrial, e que, em certos casos, esses
mesmos organismos poderiam constituir uma tentativa de combate a um fenómeno
largamente verificado nas últimas décadas: a desertificação. Numa perspetiva
otimista, revitalizando e valorizando alguns edifícios industriais localizados
em zonas descentralizadas resolver-se-iam duas questões: a atribuição de uma
função a um estabelecimento/bem industrial na medida em que esta solução é a
melhor forma de garantir a sua preservação; e o fomento do desenvolvimento
económico de uma região marcada pela ausência de população.
Há, no meio de tantos outros,
um caso em que julgo que esta dinâmica poderia constituir uma boa solução: a
antiga fábrica corticeira “Robinson” ou “Fábrica da Rolha”, como alguns dos
habitantes locais a apelidam. Hoje em dia, o estado deste património industrial
é uma ruína de um tempo glorioso que não cai no esquecimento dos locais. As
imponentes chaminés da fábrica _ símbolo da grande potencialidade industrial de
outrora _ fazem questão de perpetuar essa memória. Localizada em Portalegre,
uma pequena cidade do interior lusitano que cada vez mais se vê afetado pela
desertificação, a recuperação e valorização da Fábrica Robinson (a par do que
aconteceu com o Museu de Lanifícios da Covilhã), poderia constituir um
contributo para a preservação da memória e identidade daquela região. Além
desta dimensão mais social, haveria espaço para o relançamento da economia
através da criação de atividades económicas relacionadas com a fábrica e
atividades culturais associadas a uma exploração turística de uma rede de
sítios patrimoniais e museológicos.
A salvaguarda e
revitalização do património industrial constitui, a meu ver, uma oportunidade
para a dinamização turística que, consequentemente, trará um desenvolvimento
económico. Ainda assim, creio que o contributo mais importante que se retira da
prática de salvaguardar o património industrial (ou qualquer outro tipo de
património) é a divulgação de conhecimento e a preservação da memória social.
Joana Virgínia da Cunha Vieira Lopes
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)
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