domingo, março 18, 2018

Turismo precário

O objetivo de qualquer negócio passa por obter lucro através da satisfação do cliente. No entanto, a maior parte das empresas tende a esquecer que a variável cliente se divide em cliente externo (turista) e cliente interno (trabalhador), e que ambos são imprescindíveis para o sucesso.
O setor do turismo em Portugal, um dos que mais tem vindo a desenvolver a economia nacional, demonstra que, para a obtenção de lucros, o único intuito é o de satisfazer o cliente externo, desfavorecendo em larga medida o cliente interno. Isto põe em causa não só o seu próprio negócio como o setor.
Como referem os autores Cunha & Abrantes (2013) no seu livro Introdução ao Turismo:
“(…) a atividade turística, pelas suas caraterísticas, implica um elevado grau de contacto e coordenação entre os empregados e os visitantes: há uma relação constante direta entre eles e, na generalidade dos casos, as primeiras perceções que os clientes têm com os serviços turísticos resultam do contacto com as pessoas que neles trabalham.” (Cunha & Abrantes, 2013: 396)[1]
Saber gerir e coordenar estas relações implica melhorar a perceção da qualidade dos serviços prestados e não ter funcionários insatisfeitos.
A par do desenvolvimento deste setor, são várias as notícias que demonstram que a precariedade é um fenómeno que tende a aumentar, havendo muitos casos camuflados porque as pessoas têm medo de denunciar e perder o seu trabalho.
“Há milhares de estagiários que se sujeitam a todo o tipo de arbitrariedades e acabam por ir ocupando postos de trabalho que permitem aos empresários não terem que contratar trabalhadores efetivos e pagar-lhe um salário”[2]
Este é um exemplo de precariedade, onde se verifica o contraste entre o sucesso do turismo e os problemas laborais inerentes.
Há casos de cadeias hoteleiras de renome mundial que têm esta prática muito presente, que a troco de “formação”, necessária para completar o currículo académico, obrigam os estagiários a assumirem responsabilidades e praticarem horários acima do permitido por lei. Um caso flagrante de empresas que obtém lucro à custa de mão-de-obra qualificada não remunerada.
Outra situação que põe em causa o próprio mercado de trabalho, é a questão do trabalho voluntário dos próprios turistas para pagarem a sua estadia. Há locais onde isto é recorrente: os “turistas empregados” trabalham um certo número de horas por dia na manutenção do espaço onde ficam alojados e podem ficar com os restos que os outros turistas (que pagam o alojamento deixam para se alimentarem, como refere a notícia do Público[3]. É levantada ainda a questão: “não estão a mascarar de “voluntariado” uma situação de trabalho efetivo, não declarada e, por isso, ilegal”? Esta situação afasta a necessidade de se contratar um trabalhador e pagar-lhe um salário.
Outra situação de precariedade é demonstrada no artigo do Diário de Notícias[4], em que um trabalhador declarou: “a realização de "60 horas semanais, sem direito ao seu descanso semanal, de duas folgas por semana," e disse que estes trabalhadores comem "restos das refeições" dadas aos turistas.”
Mais uma vez, há uma alienação dos direitos dos trabalhadores em prol do aumento dos lucros.
A notícia do suplemento P3 do jornal Público[5] dá como o exemplo o caso de um trabalhador que:
“em 15 anos no sector do turismo, já trabalhou de forma clandestina, a recibos verdes, com contratos cujo valor declarado era diferente do recebido. Em nenhum dos mais de dez restaurantes e hotéis por onde passou aquilo que assinou era completamente fiel aos factos. Viveu e testemunhou quase tudo. Licenciados a ganhar 2,5 euros à hora, trabalho noturno pago a menos de cinco, colegas despedidos por pararem para almoçar. (…). Trabalha seis dias por semana, faz pausas de almoço de cinco minutos, as gorjetas ficam para os patrões para compensar a despesa de louças partidas por acidente.” 
Este artigo apresenta, ainda, algumas modalidades de precariedade usadas no setor, e demonstra que quem se sujeita a trabalhar nestas condições fá-lo por necessidade, para cumprir com as suas obrigações.
Não deve o Estado ter um papel regulador nestas situações? A resposta é dada na seguinte afirmação:
 “(…) o Estado deve reconhecer a importância do turismo, não só como fator estratégico de desenvolvimento económico mas também como fenómeno social que faz parte integrante da vida de todos os cidadãos e contribui para o equilíbrio da pessoas humana e da sociedade.” (Cunha & Abrantes, 2013: 422)1
Apesar do crescimento económico do turismo ser benéfico para o país, não deverá ser a troco da precariedade dos trabalhadores que são quem o sustem. Trabalhar com direitos é fundamental para o desenvolvimento saudável da sociedade.

Aurora Catarina Melo Mendo

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)


[1] Cunha, Licínio & Abrantes, António. (2013). Introdução ao Turismo. (5.ª Edição Atualizada e Aumentada). Lisboa: Lidel.
[3] O artigo pode ser consultado em: https://www.publico.pt/2018/02/25/economia/reportagem/trocase-alojamento-e-experiencias-por-umas-horas-de-trabalho-por-dia-1803985

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