O
objetivo de qualquer negócio passa por obter lucro através da satisfação do
cliente. No entanto, a maior parte das empresas tende a esquecer que a variável
cliente se divide em cliente externo (turista) e cliente interno (trabalhador),
e que ambos são imprescindíveis para o sucesso.
O
setor do turismo em Portugal, um dos que mais tem vindo a desenvolver a
economia nacional, demonstra que, para a obtenção de lucros, o único intuito é
o de satisfazer o cliente externo, desfavorecendo em larga medida o cliente
interno. Isto põe em causa não só o seu próprio negócio como o setor.
Como referem os autores Cunha & Abrantes
(2013) no seu livro Introdução ao Turismo:
“(…) a
atividade turística, pelas suas caraterísticas, implica um elevado grau de
contacto e coordenação entre os empregados e os visitantes: há uma relação
constante direta entre eles e, na generalidade dos casos, as primeiras
perceções que os clientes têm com os serviços turísticos resultam do contacto
com as pessoas que neles trabalham.” (Cunha & Abrantes, 2013: 396)[1]
Saber
gerir e coordenar estas relações implica melhorar a perceção da qualidade dos
serviços prestados e não ter funcionários insatisfeitos.
A
par do desenvolvimento deste setor, são várias as notícias que demonstram que a
precariedade é um fenómeno que tende a aumentar, havendo muitos casos
camuflados porque as pessoas têm medo de denunciar e perder o seu trabalho.
“Há
milhares de estagiários que se sujeitam a todo o tipo de arbitrariedades e
acabam por ir ocupando postos de trabalho que permitem aos empresários não
terem que contratar trabalhadores efetivos e pagar-lhe um salário”[2]
Este é um exemplo de precariedade, onde se
verifica o contraste entre o sucesso do turismo e os problemas laborais
inerentes.
Há
casos de cadeias hoteleiras de renome mundial que têm esta prática muito
presente, que a troco de “formação”, necessária para completar o currículo
académico, obrigam os estagiários a assumirem responsabilidades e praticarem
horários acima do permitido por lei. Um caso flagrante de empresas que obtém
lucro à custa de mão-de-obra qualificada não remunerada.
Outra
situação que põe em causa o próprio mercado de trabalho, é a questão do
trabalho voluntário dos próprios turistas para pagarem a sua estadia. Há locais
onde isto é recorrente: os “turistas empregados” trabalham um certo número de
horas por dia na manutenção do espaço onde ficam alojados e podem ficar com os
restos que os outros turistas (que pagam o alojamento deixam para se
alimentarem, como refere a notícia do Público[3].
É levantada ainda a questão: “não estão
a mascarar de “voluntariado” uma situação de trabalho efetivo, não declarada e,
por isso, ilegal”? Esta situação afasta a necessidade de se contratar um
trabalhador e pagar-lhe um salário.
Outra
situação de precariedade é demonstrada no artigo do Diário de Notícias[4], em que um
trabalhador declarou: “a realização de "60 horas semanais, sem direito ao
seu descanso semanal, de duas folgas por semana," e disse que estes
trabalhadores comem "restos das refeições" dadas aos turistas.”
Mais
uma vez, há uma alienação dos direitos dos trabalhadores em prol do aumento dos
lucros.
A
notícia do suplemento P3 do jornal Público[5]
dá como o exemplo o caso de um trabalhador que:
“em 15 anos no sector do turismo, já trabalhou
de forma clandestina, a recibos verdes, com contratos cujo valor declarado era
diferente do recebido. Em nenhum dos mais de dez restaurantes e hotéis por onde
passou aquilo que assinou era completamente fiel aos factos. Viveu e
testemunhou quase tudo. Licenciados a ganhar 2,5 euros à hora, trabalho noturno
pago a menos de cinco, colegas despedidos por pararem para almoçar. (…). Trabalha
seis dias por semana, faz pausas de almoço de cinco minutos, as gorjetas ficam
para os patrões para compensar a despesa de louças partidas por acidente.”
Este
artigo apresenta, ainda, algumas modalidades de precariedade usadas no setor, e
demonstra que quem se sujeita a trabalhar nestas condições fá-lo por
necessidade, para cumprir com as suas obrigações.
Não
deve o Estado ter um papel regulador nestas situações? A resposta é dada na
seguinte afirmação:
“(…) o Estado deve reconhecer a importância do
turismo, não só como fator estratégico de desenvolvimento económico mas também
como fenómeno social que faz parte integrante da vida de todos os cidadãos e
contribui para o equilíbrio da pessoas humana e da sociedade.” (Cunha &
Abrantes, 2013: 422)1
Apesar
do crescimento económico do turismo ser benéfico para o país, não deverá ser a
troco da precariedade dos trabalhadores que são quem o sustem. Trabalhar com
direitos é fundamental para o desenvolvimento saudável da sociedade.
Aurora Catarina Melo Mendo
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular
“Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de
Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano
letivo 2017/2018)
[1]
Cunha, Licínio & Abrantes, António. (2013). Introdução ao Turismo. (5.ª Edição Atualizada e Aumentada). Lisboa:
Lidel.
[2]
O artigo pode ser consultado em: https://www.abrilabril.pt/trabalho/sucesso-do-turismo-contrasta-com-graves-problemas-laborais
[3]
O artigo pode ser consultado em: https://www.publico.pt/2018/02/25/economia/reportagem/trocase-alojamento-e-experiencias-por-umas-horas-de-trabalho-por-dia-1803985
[4]
O artigo pode ser consultado em: https://www.dn.pt/lusa/interior/plataforma-laboral-e-popular-luta-contra-precariedade-no-turismo-fluvial-do-douro-8758781.html
[5]
O artigo pode ser consultado em: http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/22407/ha-licenciados-no-turismo-receber-apenas-25-euros-hora
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