“Quem
são esses velhinhos?”, pergunta um adolescente ao Sr. Sírio Sebastião Fröhlich,
autor do livro “Longa Jornada – Com a FEB na Itália”, durante um desfile cívico
militar em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Brasil. A pergunta refere-se aos
veteranos brasileiros que participaram da Segunda Guerra Mundial.
Apesar
da existência de cerca de 105 monumentos espalhados pelo país, entre obeliscos,
arcos do triunfo e o imponente monumento aos mortos da Segunda Guerra Mundial,
que homenageiam os heróis nacionais, cerca de 95% da população brasileira
desconhece a história da participação do Brasil na Guerra. O cemitério de
Pistóia, na Itália, que abrigou os restos mortais dos militares abatidos até à
década de 60 não faz parte sequer do imaginário brasileiro. Mas quais fatores
levariam ao esquecimento de um evento histórico tão significativo e que mudou o
rumo do país? Um deles nos faz lembrar a
obra “1984”, de George Orwell.
Durante
a guerra, o Brasil vivia o “Estado Novo” implantado por Getúlio Vargas, e como
qualquer regime ditatorial utilizava a censura como norte para beneficiar-se. Um
órgão denominado DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) criou a imagem de
Getúlio Vargas como pilar do regime e manipulou a opinião pública a seu favor,
criando uma versão própria do momento histórico que o país vivia.
A
neutralidade que Vargas soube gerir entre países aliados e do eixo favoreceu a
economia interna do país. A importação e exportação de produtos de ambos os
lados foi uma constante até a entrada efetiva do Brasil na Segunda Guerra. O
Brasil hora flirtava com os
interesses alemães, com a empresa Krupp, hora com os Estados Unidos, com a
United Steel, por exemplo. Vargas, tirava partido da rivalidade entre Aliados e
Eixo e, por fim, negociava com quem lhe oferecesse melhores condições.
Em agosto de 1942, cinco navios mercantes
brasileiros foram abatidos por submarinos alemães. Em 1944, Vargas posicionava-se
e enviava o exército para Itália para lutar ao lado da Força Aliada contra a
dominação Nazi fascista no território. Formava-se a Força Expedicionária
Brasileira – a FEB – com seus “pracinhas”, como eram apelidados os 25.000
militares brasileiros que combateram em território italiano.
A
missão principal designada para os brasileiros foi o apoio no rompimento da
“Linha Gótica”, a última defesa nazi presente na Itália, a ser vencida
juntamente com o V Exército Norte Americano. Traçando um balanço da
participação do Brasil na guerra, foram capturados cerca de quase 15 mil
prisioneiros durante sua atuação e foram obtidas 20 vitórias.
O
final da Segunda Guerra traz para o Estado Novo uma forte instabilidade, dado
que marcava a luta pela democracia em contradição ao seu regime totalitarista e
ditatorial. Rapidamente, prevendo uma ameaça, o Governo desmobiliza a FEB e elimina
seus vestígios.
Quando
um órgão tem o controle da memória de uma sociedade, a propriedade da
informação, o armazenamento e a própria legitimação dos fatos deixam de ser uma
questão meramente técnica para tornarem-se um problema político decisivo. Quem
tem o controle da memória social, está um nível acima em uma hierarquia de
poder.
Nota-se
o poder de manipulação do Estado Novo quando analisamos a construção e a
desconstrução da imagem da FEB durante o regime. Claramente, vemos o aparelho
do Estado manipulando a memória do cidadão e essa é uma das características
principais de todo regime totalitarista. Connerton (1999, p. 17) nos diz que “a
escravização mental dos súbditos de um regime totalitário inicia-se quando as
suas recordações lhe são retiradas”, e completa: “o que horroriza nos regimes
totalitários é não só a violação da dignidade humana, mas também o medo de que
não fique ninguém que possa, algum dia, testemunhar correctamente sobre o
passado”.
Sendo
assim, podemos concluir que a existência por si só do patrimônio material, como
os 105 monumentos descritos anteriormente, não é suficiente para neutralizar
uma ação como esta que, de certa forma, perdurou até a atualidade. O
silenciamento proposto por um regime totalitarista só pode ser combatido por
meio da escrita da história da oposição, uso da história oral dos grupos
subordinados e suas narrativas individuais, como a publicação de seus diários. Faz-se
necessária uma interdisciplinaridade, devendo ser envolvidas a tradição oral,
memórias - literárias, audiovisuais, fotográficas e jornalísticas - envolvimento do tema no currículo escolar,
rituais e comemorações promovidos por suas entidades, para que o patrimônio
ocupe efetivamente seu lugar de memória social e significação.
Joice Sashalmi Costa
Ramos
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)
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