Braga, a cidade bimilenar fundada pelos romanos em 16 a.c.,
batizada pelo Imperador César Augusto como Bracara Augusta é uma cidade que,
desde então, possuiu uma permanência habitacional interrupta até à atualidade,
justificando assim o mote - Nasceu “Augusta”
para a eternidade! - que, por sua vez, sustenta o grande evento da “Braga
Romana”.
O evento anual pretende recriar a
antiguidade romana, sobretudo o quotidiano dos intitulados Bracaraugustanos. Um
acontecimento cultural que exacerba este passado fundacional da robustez,
magnificência e, de certo modo, daquilo que o senso comum fantasia e constrói
em torno do universo romano.
A “Braga Romana” tem tudo a seu favor.
O mês é Maio, o calor faz-se sentir, todo o período de pesar envolto na “Semana
Santa” findou, as ruas revestem-se de cores, cheiros, e personagens com encanto
histórico que se fazem passear. Toda este frenesim leva a uma movimentação
económica anormal e entusiástica, motivado: pelas feiras, que buscam o exótico
e exotérico; pelos espetáculos de rua, com pequenas encenações de grupos de
teatro; e pelos curiosos turistas que afluem à cidade.
O evento é de meritória referência,
contudo em alguns aspetos, um tanto decisivos, tem mostrado um certo descuido
no seu rigor histórico.
Aquele que considero o ponto mais
negativo, em torno desta questão do rigor histórico, é a deslocalização do que
deveria ser o epicentro da “Braga Romana”. O fórum romano localizava-se no que agora é o Alto da Cividade. O
local é pouco dinamizado durante o evento, apesar de ser lá que se encontram os
aspetos físicos restantes da herança romana –
Teatro, Termas - e já que a cidade em si carece de património edificado
que sustente o cenário romano, era necessária uma aposta mais patenteada neste
local. Contudo, percebo que a dinamização deste ponto da cidade seja complexa:
não é uma zona de comércio afluente, o espaço pedonal é diminuto, entre outros
aspetos logísticos. Em todo o caso, apostaria numa dinamização que não passasse
apenas pelo comercial e pelo entretém, mas sim pelo educacional, com a
colocação de uma pequena maquete que
recriasse o lugar à época, de modo a alimentar o imaginário de quem por lá
passe, e que, face à completa descaracterização, se vê impossibilitado de criar
uma ponte entre o tempo e o espaço. Sendo que um dos objetivos máximos deste
tipo de eventos é o transporte para épocas passadas, uma das melhores formas
para o fazer será através da educação e fornecimento de novos conhecimentos e
conceitos.
Para concluir esta questão da deslocalização,
faço também um pequeno apontamento em torno do acampamento militar romano.
Percebo o propósito pedagógico digno, envolto nesta simulação, contudo fazê-lo
em pleno Largo do Paço, onde prima uma arquitetura datada do século XV a XVIII
d.c., parece-me muito pouco adequado exatamente por não permitir uma correta e
límpida recriação da imagem espacial do cenário à época.
O
segundo e último grande aspeto que deverá ser alvo de crítica é o cortejo noturno.
Em primeira instância, este cortejo tende a perder qualidade devido à excessiva
participação por parte dos cidadãos e instituições, o que leva a uma perda de
controlo face ao rigor e torna o cortejo enfadonhamente grande, repetindo-se as
roupas e as encenações.
Denote-se
que não existe uma equipa que supervisione as vestimentas e instrua a devida
encenação e conduta comportamental que cada participante deverá ter. Contudo,
tal já se verifica em outros grandes eventos da cidade, também detentores de
cortejos ou procissões. Posto isto, facilmente observa-se, na “Braga Romana”:
sapatilhas; condutas e posturas inadequadas à ocasião e época; padrões, cores e
tipos de tecidos impossíveis de obter nesse período em questão; assim como a já
habitual confusão entre modelos de roupa grega e romana.
A
melhor forma de colmatar esta descomedida confusão seria, em primeiro lugar,
através do controlo do fluxo de intervenientes, em seguinte, a atribuição de
temáticas a cada grupo, de modo a evitar a repetição das mesmas, e, por fim, a
contratação de equipas destacadas para a correta caracterização das
personagens. Para as instituições/escolas que pretendessem fazer as suas
próprias vestes, com propósito educativo, esta seria uma excelente desculpa
para a oferta de workshops e pequenos
momentos de formação. Workshops esses
que demonstrassem os vários processos de fabrico dos tecidos e tintos, até aos
vários modelos de roupa, varáveis consoante o género e a posição social.
A
“Braga Romana” já constitui um dos eventos com maior taxa de sucesso e receita
económica da cidade, contudo, se forem tidas em conta as devidas questões de
rigor histórico, terá tudo para manter o lugar que já detém, mas com maior
dignidade e respeito pelo passado.
Andreia Margarida Fernandes Pacheco de Azevedo
Bibliografia[1]
Adkins,
Lesley, e Roy A. Adkins. Handbook to life
in Ancient Rome. Oxford: Oxford University Press, 1998.
Jurado, Francisco García. «Da toga às calças. O vestuário em
Roma», National Geographic, 24 de
Março, 2017, Edição Especial – A Vida Quotidiana na Antiguidade, 120 -127.
Martins, Maria Manuela. «Urbanismo e Arquitectura em Bracara
Augusta. Balanço dos contributos da Arqueologia Urbana». Simulacra Romae, s.d..
Pendergast,
Sara, e Tom Pendergast. Fashion, Costume,
and Culture: Clothing, Headwear, Body Decorations, and Footwear through the
Ages. Detroit: The Gale Group, 2004.
Stone,
Caroline. «How did the Romans make and use textiles?». Civilizations in Contact,
s.d.
Outras fontes
Mapa de Braga - Bracara Augusta por Sande Lemos, da Unidade de
Arqueologia da Universidade do Minho.
(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, no curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)
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