segunda-feira, abril 29, 2019

A indústria, parte integrante do património cultural

A indústria, enquanto motor de desenvolvimento da sociedade, é uma parte integrante e indissociável da cultura de um povo ou de uma comunidade.
São inúmeros os vestígios de um passado industrial ativo e fervilhante, assim como são muitas as regiões que têm na indústria o seu único impulsionador económico. Mas não tem de ser, necessariamente, assim.
O setor turístico, ainda em fase de crescimento em alguns locais, atingiu já a sua "maturidade" em vários outros. Isto leva a que as cidades sintam a necessidade de se reinventar. De inovar. Uma das formas, é tornar turisticamente atrativos alguns "novos" aspetos. Falamos do legado industrial de uma comunidade como atração turística.
Numa tentativa de valorização deste património industrial, que também representa (entre outros fatores) a identidade dos locais onde se encontra, tem vindo a verificar-se uma recuperação deste património, e até mesmo uma musealização do mesmo. Esta recuperação leva à valorização dos locais e áreas circundantes, que possam refletir valores de um passado menos distante.
Porém, na minha opinião, o foco das comunidades não deverá nunca centrar-se em apenas um único setor económico. Desta forma, as cidades em que tal seja de algum modo possível, deverão aliar as várias componentes da sua oferta turística, como sejam o turismo cultural e o turismo industrial. Ambos os segmentos desta procura turística são igualmente importantes e podem ser potenciados se a comunidade encontrar formas de os conciliar, abrindo horizontes para que uma cidade possa atrair diferentes públicos. Com isto, quero então dizer que, estes sectores se complementam mutuamente.
Alguns exemplos desta cooperação podem ser observados na cidade de Guimarães. O município tem vindo, continuamente, a trabalhar numa recuperação de edifícios e zonas industriais em degradação prolongada, como forma de valorizar o seu passado industrial e patrimonial. Refiro-me, por exemplo, à indústria dos curtumes. Temos os exemplos da fábrica da Ramada, que é atualmente utilizada para a realização de inúmeros eventos culturais, assim como um Campus Universitário, da Casa da Memória, que ocupa o lugar onde existiu anteriormente uma fábrica, do Laboratório da Paisagem (nos arredores da cidade, em Creixomil), que foi uma empresa têxtil no início do século XX. Numa procura de valorizar num sentido mais amplo este legado patrimonial, Guimarães luta agora pela inclusão da Zona de Couros (onde ainda se observam os vestígios da anterior industria dos curtumes) na zona classificada pela Unesco.
Porém, Guimarães está longe de ser o único exemplo desta valorização da indústria em associação à valorização patrimonial. Outra cidade que poderíamos referir é Bilbau, que se caraterizava por ser uma cidade industrial, com uma silhueta escura, soturna, e que conseguiu reinventar-se, tornando-se num importante polo de turismo cultural. Essa revitalização teve como principal eixo a construção do Museu Guggenheim, pelo Arquiteto Frank Gerhy, que teve como consequência para a cidade um forte impulso na recuperação patrimonial, social e cultural.
Uma cidade que não conseguia ultrapassar o paradigma do turismo exclusivamente de negócios (em função da componente industrial a que fiz referencia atrás), criou em si mesma outros atrativos que potenciaram os visitantes empresariais, fazendo-os ficar mais tempo ou mesmo regressar para visitar a componente cultural da cidade, ao mesmo tempo que atraiu novos visitantes. Isto demostra que a cooperação entre diferentes sectores económicos é uma mais-valia, e foi nesse sentido que a cidade Basca trabalhou.
Há outros exemplos ainda: Dusseldorf, na Alemanha, renovou-se de uma forma muito análoga a Bilbau, reconvertendo a zona ribeirinha num projeto do mesmo arquiteto (Frank Gerhy); a cidade de Joinville, no Brasil, que se carateriza como uma cidade industrial que, apesar de sustentável por via desse sector económico, procura aumentar o turismo como forma complementar de valorização da cidade.
Regressando ao exemplo inicial de Guimarães, seria interessante que a cidade lograsse complementar os seus esforços na divulgação da sua importância histórica, cultural e patrimonial com uma oferta que proporcionasse, a quem a visita, informação sobre o seu legado industrial. Isso permitiria, a prazo, conciliar o melhor de dois mundos: captar potenciais clientes para o seu tecido empresarial e, simultaneamente, potenciar os atuais visitantes industriais, de forma a que sintam vontade de regressar ou de ficar para além das suas estadias profissionais.
É verdade que existem já algumas iniciativas avulsas nesse sentido -nomeadamente um “Roteiro da Industria Têxtil"- mas atrevo-me a dizer que, por motivos que desconheço, as mesmas não vêm obtendo os resultados que aqui defendo como desejáveis e alcançáveis, se integrados numa estratégia holística.
 Em conclusão, diria que, se em alguns casos esta visão de uma cidade como um todo indissociável poderá ser uma necessidade e quiçá o caminho a seguir para impulsionar o desenvolvimento económico, noutros casos, poderá ser um complemento e um fator a acrescentar a uma cidade, que lhe permita criar para si uma maior autonomia económica.

Rita Miranda Pereira

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2018/2019)

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