sábado, abril 27, 2019

“Turismofobia” em Barcelona: o impacte do turismo de massa na realidade barcelonense

A velocidade com que novidades e mudanças dissipam-se e instalam-se no mundo todo já é motivo de discussão e problematizações nos mais diversos âmbitos, sejam eles acadêmicos ou não, uma vez que muitas vezes efeitos negativos são visualizados em decorrência da incapacidade que as sociedades em geral apresentam ao lidar com essas aceleradas transformações. O turismo, setor hoje responsável por grande parte da economia movimentada a nível global, acaba por estar intrinsecamente ligado a uma gama de mudanças cujas consequências nem sempre são acompanhadas e resolvidas da melhor maneira.
Na última década, o turismo, em geral, floresceu mais do que nunca devido às facilidades ligadas à mobilidade, à economia, à comunicação e  a outros fatores que possibilitaram a indivíduos das mais distintas classes sociais e estilos de vida a realização de viagens e atividades mais acessíveis, em diversos níveis. No entanto, alguns destinos sofreram mais do que outros com este crescimento, fazendo com que efeitos negativos afetassem diretamente populações locais e a dinâmica cotidiana das mesmas. Este é o caso de Barcelona, cidade cuja atividade turística tomou dimensões desproporcionais à capacidade de resolução dos impasses decorrentes do turismo de massas, onde foram registrados recentemente episódios de hostilidade local das alterações sofridas na metrópole.
Ao contrário de cidades que sofrem majoritariamente com os impactes desfavoráveis da patrimonialização de seus centros históricos, é possível visualizar que o problema enfrentado pelos moradores de Barcelona é ainda mais complexo, uma vez que trata-se de um impasse prejudicial a vários níveis. Não é apenas a questão do património e sua visibilidade e capitalização pela atividade turística que figuram neste caso, mas também outros segmentos do turismo que acabam por atrair milhões de viajantes para Barcelona todos os anos.  Muitos são os bairros barcelonenses que sofrem diariamente com o excessivo número de turistas, movimento este que gera um aumento exorbitante nos valores do comércio em geral e, sobretudo, nos preços do alojamento, que já hoje é escasso devido ao turismo. Além disso, a exploração coordenada pelas grandes empresas hoteleiras também configura-se enquanto motivo de revolta por parte da população, por representar um dos setores que menos se compromete em pagar salários dignos aos funcionários empregados no ramo.
Ao explorar a conotação do termo “turismofobia”, cunhado por grupos envolvidos e beneficiados diretamente pelo turismo, foi possível verificar que o mesmo tenta descrever uma faceta da indignação local que não é compreendida em toda sua complexidade, visto que os problemas são causados pela indústria do turismo e não pelos turistas especificamente, além de ser uma expressão que mascara o verdadeiro ímpeto socioeconômico por trás das motivações dos segmentos prejudicados por todo este processo.
Em resposta aos impactes de menor e maior intensidade, foram registradas em Barcelona, recentemente, manifestações contrárias ao turismo e suas consequências negativas, onde grupos demonstraram repulsa à dinâmica capitalista associada a todos os problemas vivenciados na região nos últimos anos. Um exemplo destes protestos ocorreu em agosto de 2017, organizado pelo grupo de esquerda conhecido como Arran, onde cartazes com referência à causa foram escritos e levados à famosa praia de Barceloneta, local que goza de altíssima importância para o turismo da região,  por militantes do grupo de que se fala. A questão é tão relevante que, segundo Alan Domínguez, “é emblemático o resultado da pesquisa municipal que registra como, em 2017, pela primeira vez, o turismo se tornou a maior preocupação dos moradores de Barcelona, deixando para trás questões mais “tradicionais”, como desemprego e condições de trabalho, trânsito ou habitação.” (DOMÍNGUEZ, 2018, p. 24-25)









Além das declarações e movimentos organizados por habitantes da metrópole, verificou-se também a iniciativa, no campo político, de uma maior fiscalização em torno do setor do alojamento, com a criação de uma lei que controla o número de camas e alojamentos disponíveis para turistas na cidade, o que nos mostra que o problema é visto e tratado por parcelas diversas da sociedade que forma a capital catalã.
Barcelona é um exemplo impressionante dos impactes negativos que podem ser causados pelo turismo de massas e também de mobilização civil, uma vez que manifestações contrárias à dinâmica do turismo ainda não são muito comuns, mesmo em locais onde a exploração é altamente intrínseca às atividades turísticas. No entanto, nota-se que a tendência é que outros sítios afetados pela indústria do turismo sejam contagiados pelas reivindicações de parte da população catalã. Por fim, considero ser necessária uma mudança de abordagem por parte de agentes públicos e no campo da política em geral, para que seja viável uma transformação que destine-se, ao menos, a controlar e fiscalizar o que for possível dentro da dinâmica desta poderosa indústria de que se fala, visando o bem-estar da população local e a diminuição dos riscos, problemas e eventuais crises que possam ser originadas.
Acredito ser essencial também a construção de meios instrutivos, não apenas em Barcelona mas no mundo todo, com propósito de educar a população em geral para que o turismo possa ser realizado de maneira menos agressiva e mais sustentável.

Angélica Vedana


REFERÊNCIAS

Domínguez, Alan Quaglieri. Turismofobia, ou o turismo como fetiche. Revista do centro de pesquisa e formação SESC, p. 22-30. Edição Especial: Ética no Turismo. São Paulo, Jun/2018.
https://www.voltaaomundo.pt/2017/10/03/catalunha-turistas-apanhados-no-meio-das-manifestacoes-pacificas/  Acesso em: 10/04/2019

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, do curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2018/2019)

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